26/03/17

Kaesong e DMZ



A nossa primeira saída de Pyongyang teve como destino a DMZ, a Zona Desmilitarizada da Coreia que, ironicamente, é uma das fronteiras mais militarizadas do mundo. Depois de entrarmos no país pela sua fronteira a Norte, com a China, iríamos agora acabar de atravessar o mesmo até ao paralelo 38 que serve de referência à divisão das duas Coreias.



Como saímos após o almoço, passamos a tarde a percorrer um longa, ampla e também deserta autoestrada até à cidade de Kaesong, próxima da fronteira. Pelo percurso, vários pontos de controlo militares bem como militares dispersos pela autoestrada iam fazendo continência à passagem do autocarro. A paisagem montanhosa vai dando lugar a planícies com couves - em fase de colheita para prepararem o famoso kimchi - e alguns campos de algodão marcados com pequenas bandeirinhas vermelhas. Pelo caminho, a guia falou-nos um pouco da agricultura no país e de como são pagos os agricultores nas quintas cooperativas e estatais. Falou-nos ainda da "battle season", altura das colheitas em que, pelo menos em teoria, todos os cidadãos têm que dedicar duas semanas a este trabalho.

Chegamos a Kaesong já de noite, pelo que fomos levados directamente ao alojamento - pequenas casas tradicionais coreanas com pavimento aquecido construídas nas margens de um pequeno riacho - onde haveríamos também de jantar. Foi o único sítio onde ficamos momentaneamente sem luz, embora por um par de minutos apenas.




No dia seguinte acordamos bem cedo para tomar o pequeno almoço e então dar início a longo e tenso dia. Começamos por visitar o túmulo do rei Kongmin, da dinastia Koryo que viria a dar nome à Coreia. Após viajarmos alguns minutos por entre campos e colinas, chegamos a um pequeno monte com uma escadaria por entre jardins coloridos pelo Outono até chegarmos aos túmulos propriamente ditos, do rei e da sua esposa. 





Segundo as guias, aquando da ocupação japonesa os soldados do império tentaram por todos os meios entrar nos túmulos a fim de os profanarem e destruírem, por saberem da importância histórica que estes tinham para a identidade coreana. Nunca terão descoberto a entrada dos mesmos e no nosso grupo a Catarina foi a única adivinhou onde esta se encontrava.

Daqui partimos para Museu Koryo, uma agradável surpresa sem sinais de propaganda do regime. Trata-se de uma sequência de pequenos pavilhões tradicionais, com artefactos históricos relacionados com a dinastia Koryo. À saída, para além da habitual loja de souvenirs que aqui se especializava em Ginseng, algumas mulheres vendiam fruta aos turistas.









Regressamos então à cidade, onde visitamos as estátuas dos dois líderes falecidos, que se encontram no final de uma das principais avenidas no topo de uma colina. Ficamos por alguns minutos a aguardar pela chegada do outro autocarro e como tal pudemos deambular algumas centenas de metros fotografando os locais sem o habitual "bali-bali" com que as guias nos "despachavam" de local para outro.








Seguia-se então aquele que viria a ser o almoço mais típico de toda a viagem: 12 pequenas taças douradas, cerca de metade delas com ingredientes irreconhecíveis, a serem degustadas com sopa e arroz. Um pequeno copo de soju para cada, com as já habituais garrafas de cerveja e água espalhadas pela mesa. Quem quisesse desembolsar algum dinheiro extra, podia provar uma sopa de cão por mais 5 euros ou então um caldeirão (para 3 a 4 pessoas) de galinha com ginseng por 30 euros.



Depois do almoço, regressamos aos autocarros para iniciar então o percurso até à DMZ. Um percurso em tudo igual a todos os outros, até começarmos a passar por sucessivos pontos de controlo e chegarmos a uma espécie de centro para acolhimento dos turistas. Nesta altura começamos a perceber que afinal a visita não iria ter o ambiente "tenso" esperado: o dito centro não era mais do que uma loja de souvenirs com casas de banho onde se aguardava o regresso dos grupos que se encontravam em Panmunjon, o único ponto de contacto entre as duas Coreias ao longo de toda a DMZ. Não houve qualquer controlo de segurança, apenas alguns avisos sobre onde poderíamos ou não fotografar.


Seguiu-se uma breve explicação da zona que iríamos visitar, por parte de um soldado entusiasmado. O entusiasmo deste parecia ter contagiado a nossa guia, a Sr.ª Kim, que prontamente traduzia - com mesmo volume e igual intensidade - as explicações do homem de verde.

Chegada a autorização para avançar, visitamos primeiro o "Museu da Paz", pavilhão onde foi assinado o armistício mas que acabaria por ficar a norte de linha de demarcação. Aqui há um exemplar em coreano e outro em inglês, com as respectivas bandeiras (Coreia do Norte e ONU).


Pouco depois, teremos passado ao lado da solitária  - e segundo alguns rumores deserta - aldeia de Kjong Dong, com um dos maiores mastros de bandeira do mundo que suporta aquela que já foi a maior bandeira do mundo, com um peso de 270kgs. No entanto, com o nevoeiro e chuva com que fomos "presenteados" nessa tarde, não foi possível vislumbrar a bandeira, muito menos a aldeia.

Daqui prosseguimos então para o ponto alto do dia, a visita à Área de Segurança Conjunta, onde uma sucessão de pequenos pavilhões "ignoram" a linha de fronteira e permitem negociações entre ambos países. De cada lado da fronteira, há um edifício principal com vários edifícios anexos. 



Conseguimos não só "entrar e sair" da Coreia do Sul como ainda usamos a rede de telemóvel desse país. Tiramos as fotos da praxe com o soldado que nos guiou e iniciamos a viagem de regresso a Pyongyang, sãos e salvos.

11/03/17

Lago Inle


O Lago Inle, no estado Shan, é uma das principais atracções turísticas de Myanmar. É relativamente fácil lá chegar por terra, seja vindos de Yangon, Mandalay ou Bagan. Nós fizemos a viagem a partir de Bagan em mini-bus, tendo chegado a Nyaung Shwe, principal povoado do lago, a meio da tarde.
Aqui é praticamente impossível evitar o pagamento do bilhete de entrada, 10USD ou 10 mil Kyats, uma vez que todo o trafego automóvel é parado numa espécie de portagem à entrada do povoado. Eventualmente quem faz trekking de Kalaw até lá poderá escapar. É também possível chegar de avião, sendo o aeroporto mais próximo o de HeHo.

Nyaung Shwe, na ponta norte do lago, é a base que a maior parte dos viajantes escolhe para explorar a região. Existe um povoado no extremo oposto do lago chamado Shwe Nyaung que também é uma opção. Há ainda alguns alojamentos dispersos pelas margens do lago para quem quiser um local mais recatado com uma envolvente mais condizente com a serenidade do lago. As desvantagens são o isolamento (com consequente ausência de opções de restauração, lojas de conveniência, etc) e o preço, que geralmente é elevado.

A oferta de barcos para passeios no lago é imensa e os preços devem ser negociados. Estes irão depender do percurso pretendido: o preço base, para o barco inteiro e não por pessoa, começa pelos 20 a 25 mil Kyats para o percurso mais habitual na metade norte do lago (25 mil se quiserem ir até Indein, 20 mil se dispensarem essa parte). Já quem se quiser aventurar até à ponta sul do lago ou para lá dela deve contar com um preço a começar nos 60 mil Kyats. Nós optamos pelo último percurso, dividindo o barco com mais um português que conhecemos no caminho. A ideia inicial era ir até Sankar mas a certa altura o caminho encontrava-se obstruído, pelo que "só" conseguimos chegar até aos pagodes de Tarkong, já num dos reservatórios conectados por um estreito mas longo canal ao sul do Lago Inle. 

Pelo caminho, há de tudo um pouco para contemplar, começando pelas intermináveis casas construídas sobre estacas - utilizando materiais que vão do simples "entrançado" de folhas de coqueiro a casas com paredes de chapa ou de madeira, passando pelos múltiplos mercados que ocorrem em diferentes lugares dependendo do dia da semana e não esquecendo os pescadores que são "imagem de marca" do lago. 

E claro, sendo tudo isto em Myanmar, templos budistas e muitas estupas, ora em terra, ora parcialmente submersas. Para além das inúmeras estupas dispersas por todo o lago, há ainda grandes templos como o Hpaung Taw U. Este último, é acima de tudo conhecido pelas imagens de 5 budas dourados que foram, como em tantos outros sítios de Myanmar ou do mundo budista, sendo cobertos pelos fieis com folhas de ouro. Neste caso em específico, foram já tantas que já não é perceptível qualquer forma humana, parecendo os mesmos meros bonecos de neve dourados.




A primeira metade do caminho é relativamente concorrida, sendo a presença de outros barcos quase uma constante. Já a parte sul do lago é explorada por muito poucos turistas, sendo ainda possível testemunhar como era a vida dos locais antes da abertura do país ao turismo.

Os mercados que "rodam" de 5 em 5 dias pelos vários povoados em diferentes dias da semana são praticamente paragem obrigatória em qualquer passeio de barco e podem condicionar o percurso.. Mais do que as mercadorias propriamente ditas, ficamos algum templo a admirar pessoas que lá deslocavam para vender os seus produtos. 







Praticamente todas os passeios de barco irão parar em lojas de artesanato, vendendo têxteis feitos com fios de seiva de lotus, tabaco, etc. Em algumas delas irão encontrar mulheres da etnia Kayan, mais conhecidas por "mulheres girafa" por causa dos anéis que usam e que lhes alonga o pescoço. A maioria vive em áreas junto à fronteira com a Tail|ândia, mas estima-se que cerca de 40 mil pessoas desta etnia ainda vivam no estado Shan. Escusado será dizer que os preços nestas lojas são um pouco inflacionados mas a visita é rápida, é interessante ver os artesãos trabalhar e ainda assim foi um dos melhores sítios que encontramos para comprar souvenirs em todo o país.



Uma outra atracção praticamente obrigatória são os cultivos flutuantes na parte norte do lago, mais densamente habitada:




Para o final do post, deixei aquele que acabou por ser o nosso destino mais longínquo, o Tarkong Paya, perto da aldeia de Sagar. Este é um daqueles lugares fora da maior parte dos roteiros turísticos e onde pouca gente vai, daí que o tenha achado especial a imaginar como seria Sankar. Em redor de um templo central há inúmeras estupas, algumas de construção relativamente recente, outras com alguns séculos de idade.


Mesmo do outro lado do canal, um não menos bonito agrupamento de estupas abandonadas quase em ruínas completam o cenário.

Em jeito de conclusão, o lago Inle é compreensivelmente uma das 4 "jóias da coroa" do turismo em Myanmar. Com a grande oferta de transportes a partir de Mandalay, Bagan e Yangon, não há desculpa para não o visitar. Além disso, não requer muito tempo se quem o visita se cingir ao lago (nós fizemos um dia inteiro de sol a sol e foi suficiente). Há alojamentos baratos bem localizados e os preços pelo barco, dividido com mais 2 ou 3 pessoas, é bastante acessível. 

Já quem quiser usar este local como base para explorar as cavernas de Pindaya, fazer trekking para ou de Kalaw, conhecar as vinhas da região ou ir até Taunggyi - capital do estado onde se realiza anualmente um impressionante festival de balões de ar quente decorados - precisará de vários dias. Convém sempre verificar como se encontra a situação no estado pois é onde decorre um dos maiores conflitos armados relativamente congelados no país, que nos últimos anos tem tido episódios esporádicos de violência. À data da nossa visita, véspera da eleição que deu a vitória à NLD de Aung San Su Kyi, decorriam combates nas montanhas a poucas dezenas de kms dali.