Esta que é a minha estreia nesta rubrica iniciada pela Catarina tem como destino aquele que será um dos países mais isolados do mundo exterior, senão o mais hermético de todos, a Coreia do Norte.
Depois da ocupação japonesa que terminou com a 2ª Guerra Mundial a península coreana acabou dividida em dois países: no Norte a União Soviética de Estaline, com o apoio da República Popular da China, instalou um regime satélite comunista e no Sul os EUA, com receio da expansão do comunismo no extremo oriente, instalaram um regime capitalista. Pouco tempo depois, Kim Il Sung, o "Eterno Líder" da Coreia do Norte, decidira tentar reunificar a península sob o seu regime dando início à Guerra da Coreia. Apesar de não obter o apoio esperado da União Soviética para o efeito, numa primeira fase da guerra ia logrando o seu objectivo, reduzindo o território sul coreano a um último reduto em torno de Busan (segunda maior cidade do sul, também chamada Pusan). É nesta altura que os EUA entram em cena, com mandato da ONU, repelindo o ataque e recuperando por sua vez praticamente todo o território da península numa segunda fase da guerra. Com a aproximação da fronteira da China, por sua vez esta ressentiu-se da "ameaça" de um regime capitalista à sua porta e deu-se a entrada na terceira e última fase da guerra em que milhões de soldados chineses apoiaram o que restava do exército do norte, repelindo soldados americanos e sul coreanos praticamente para as mesmas posições que ocupavam antes do início da guerra. Foi assinado um armistício entre os dois países que passaram a ser divididos por uma zona desmilitarizada estabelecida ao longo do paralelo 38. Esta divisória já havia sido proposta pelo Japão à Rússia no final do século XIX e no final da 2ª Guerra Mundial tinha sido usada como referência para a divisão pacífica da península.
Desde então, as diferenças entre ambos os lados da fronteira agudizaram-se passando a Coreia do Sul a ser um país mais industrializado e populoso, ao passo que a Coreia do Norte permaneceu relativamente "congelada" no tempo. O desenvolvimento gritante da economia sul coreana teve também como resultado uma relativa ocidentalização do país, ao passo que a economia norte coreana - apesar de baseada na ideologia Juche que defende a auto-suficiência - permaneceu largamente dependente da China e da União Soviética. Após a queda da última no princípio dos anos 90, a economia norte coreana colapsou dando origem à Árdua Marcha, um eufemismo criado pelo regime para classificar as sucessivas secas que causaram entre 240 mil a 3,5 milhões de mortes por fome e doença. Desde então a economia da Coreia do Norte encontra-se relativamente estabilizada, embora estagnada e "asfixiada" por sucessivas sanções da ONU promovidas pelas potências ocidentais, e muito dependente da economia chinesa.
Posto isto, porquê esta ânsia com mais de uma década para conhecer a Coreia do Norte?
Com a crescente globalização do mundo, é difícil conceber organizações sociológicas e civilizacionais diferentes. Mesmo viajando para outros continentes, muitos aspectos são-nos familiares e por muito diferente que seja o regime, o pensamento "capitalista" predominante é generalizado e comum à grande maioria dos povos. É certo que em determinados países percebemos que o dinheiro ainda não tem a importância que infelizmente lhe atribuímos no Ocidente, mas é descortinável que as sementes estão lançadas e a germinar. A simples possibilidade de visitar um país que permanece isolado do resto do mundo, com o seu próprio sistema imune a esta tendência quase global, é para mim pura e simplesmente fascinante. Não quer dizer de forma alguma que seja um regime que me agrade, apenas que é demasiado diferente de tudo o que conheço ao ponto de me levar a querer conhece-lo de perto. De perto?! Sim, de perto. Conhece-lo in loco pois como país isolado e hermético que é, pouco sobre o mesmo chega até nós à excepção de um punhado de notícias por mês, a maior parte delas sórdidas e frequentemente infundadas. Qualquer um de nós se lembrará da notícia de que o tio do actual líder do país, Kim Jong Un, teria sido "executado" por uma matilha de cães esfomeados. Notícia esta, que afinal se baseara - errónea e levianamente - num post de um blog satírico chinês que foi interpretado pelos meios de comunicação ocidentais como um meio de informação fidedigna com acesso privilegiado à mesma.
Uma outra imagem relativamente recente que nos inquieta é a de um povo numa aparente histeria de massas a chorar desalmadamente a morte do seu líder repressivo, Kim Jong Il, o pai do actual líder. Se a primeira impressão nos leva quase de imediato a concluir tratar-se de uma simples imposição de tal manifestação de pesar, se reflectirmos um pouco mais é passível que nos surja a hipótese de aquela manifestação ser deveras genuína. Afinal de contas o país encontra-se isolado há 70 anos, várias gerações foram criadas segundo uma ideologia que nos é completamente estranha e sem qualquer contacto com o mundo exterior, sendo aparentemente endoutrinados desde tenra idade. Se nos parece estapafúrdio que aquele povo acredite em coisas aparentemente tão estapafúrdias como líderes nascidos de montanhas e reencarnados em pássaros, qualquer um que conheça minimamente as crenças animistas dos asiáticos e que tenha em conta o isolamento e progressiva endoutrinação de uma nação como um todo facilmente aceitará como possível que tal faça perfeito sentido para o povo norte coreano.
Quando partilho esta vontade de conhecer este país, a primeira pergunta - vá, talvez a segunda pois muitas das vezes a primeira é algo do género estás louco?! - que geralmente vem à baila é: e é possível entrar lá? A que se costuma seguir e deixam-te sair de lá vivo?
Sim, há muitos anos que é possível visitar a Coreia do Norte. O problema é que era (e ainda é) muito caro. Lembro-me de há uns 10 anos ver viagens em grupo de 7 a 9 dias a 1500-1800€, isto sem os obrigatórios voos para Pequim. Hoje em dia os preços tornaram-se mais "simpáticos" com o crescimento do número de agências que organizam viagens em grupo - e há já algum tempo individuais - encontrando-se viagens de 5 dias por cerca de 800€. Note-se que estes valores já incluem alojamento, transporte (voos/comboio para a Coreia do Norte e internamente), refeições e os guias, que acompanham os visitantes desde o momento em que estes chegam ao momento em que se vão embora. Quanto à segurança, à excepção de meia dúzia de turistas americanos que visitaram o país com aparentes segundas intenções que nos parecem inocentes - por vezes mesmo ingénuas - mas que violaram regras básicas do país que decidiram visitar e acabaram detidos (e invariavelmente libertados como "moeda" negocial com os EUA e o Ocidente), não há registo de qualquer outro ocidental que tenha sido detido ou ficado detido no país, muito menos visto a sua integridade física posta em causa. Visitar a Coreia do Norte é de facto diferente de visitar a maior parte dos países, é um pouco como quando visitamos a casa de alguém que raramente recebe visitas e com quem não temos um relação estreita.
Centrando-me agora no que realmente há para conhecer no país, é quase obrigatório começar pela capital do mesmo, Pyongyang. Na maior cidade do país encontramos o vários palácios, museus dedicados à história do país e estátuas dos líderes e dos vários sectores da sociedade, a imponente torre Juche, um Arco de Triunfo e um da Reunificação.
Monumento do Partido dos Trabalhadores |
Casa dos Estudos do Povo |
Torre Juche |
Já em finais da década de 70 visitávamos a DPRK |
No entanto, o que destaca mais no horizonte da cidade é mesmo aquele que era para para ser o hotel mais alto do mundo, o Ryugyong. A construção iniciou-se em 1987 mas em 1992 com a queda da União Soviética e o início da crise económica, a construção foi suspende. Só recentemente esta foi retomada e agora já tem vidros.
Museu da Guerra da Libertação |
A visita à cidade geralmente implica a visita dos monumentos descritos e ainda uma interacção "controlada" com jovens estudantes, por vezes com outros sectores da socidedade. O grande evento são os Mass Games ou o Festival Arirang, que decorrem no enorme estádio da cidade. E claro, não me podia esquecer das velhinhas mas belíssimas estações de metro:
Metro de Pyongyang |
Pyongyang à noite |
Fora da capital, as visitas incluem geralmente uma visita à fronteiriça cidade histórica de Kaesong e ao monte Myohyang. Alguns tours mais longos vão mais longe e dedicam-se também à abundante beleza natural do país: uns até ao monte Paektu - a maior montanha, na realidade um vulcão ainda activo, da península - que fica na fronteira com a China, outros até ao monte Kumgang, próximo da Coreia do Sul.
Na fronteira, fica outra "atracção" obrigatória, que nos lembra que estes países continuam tecnicamente em guerra pois só assinaram um armistício: a DMZ ou zona desmilitarizada - que ironicamente é uma das zonas mais militarizadas do planeta e onde esta se reduz a uma ténue linha em Panmunjom, onde o armistício foi assinado e onde ainda hoje em dia responsáveis de ambos países se reúnem em momentos de crise.
Agora resta-me marcar uma data e esperar que nada de "inesperado" aconteça até lá para visitar este intrigante "planeta" da Coreia do Norte, oficialmente República Popular Democrática da Coreia. Quem lá esteve recentemente foi um dos maiores viajantes portugueses da actualidade e um daqueles que mais aprecio, o João Leitão, que gentilmente me permitiu que usasse fotos suas retiradas do post "88 razões pelas quais gostei da Coreia do Norte".
Obrigado João! Pelas fotos e pela partilha da tua experiência coreana!
Obrigado por mencionares o meu site. Artigo bem interessante sobre um país que voltarei. Abraço desde Marrocos. Boas viagens!
ResponderEliminarObrigado eu pelas fotos e pelas 88 razões para visitar o país! Abraço
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