24/02/15

Phnom Penh - Tuol Sleng

Após dois dias de travessia por terra e água, finalmente chegamos ao Reino do Camboja, um lugar distante onde o sorriso das crianças se mistura com as lágrimas que o país já verteu. Se a história recente do Vietname já era triste e violenta, a do Camboja aperta ainda mais o coração.


Cerca de 2 milhões de pessoas foram mortas, em quatro anos, pelas mãos do sanguinário Pol Pot. Muitas foram brutalmente espancadas com martelos, paus, pedras e folhas de palmeira entre outros objectos (para não gastar balas) e enterradas ainda vivas... bebés, crianças, mães, homens, idosos... ninguém escapava a tão horrendo destino.

O início do período mais sangrento da história de um país que foi disputado durante séculos pelos vizinhos "maiores" - Tailândia/Sião e Vietname - começou na segunda guerra mundial, quando os Japoneses invadiram o país após a queda da "França de Vichy". Até então o país estava sobre o domínio francês tal como os seus vizinhos Laos e Vietname - sendo que a França estava por sua vez sob domínio nazi. É também nesta altura que as regiões de Siam Reap, Battambang e Preah Vihear são (novamente) ocupadas pelos Tailandeses, de certa forma aliados Japoneses. Após o término da 2ª Guerra Mundial, embora com mais autonomia, o Camboja retorna ao controlo colonial francês mas com uma crescente instabilidade devido ao conflito franceses e forças Viet-Minh (Vietname do Norte).

Em 1952 o rei Sihanouk dissolve o parlamento e enceta esforços no sentido de alcançar a independência do país, que proclama no ano seguinte. Um ano depois, em 1954, esta é finalmente reconhecida na conferência de Genebra de 1954 e em 1955 o rei abdica do trono em favor do seu pai. Com o seu novo partido viria nesse mesmo ano a conquistar todos os lugares do parlamento e a governar o Camboja por cerca de 15 anos. Embora receoso dos comunistas vietnamitas, declara a neutralidade do país e recusa mais ajuda dos EUA por considerar que os seus aliados - Tailândia e Vietname do Sul - eram as principais ameaças ao país. Em 1965, convencido de que os EUA conspiravam contra si, autoriza os guerrilheiros comunistas do Vietname e China a utilizarem o seu território para combater o Vietname do Sul e as tropas americanas.

No entanto, esta decisão não foi pacífica e foi vista como uma humilhação por muitos cambodianos, culminando num golpe de estado por parte do General Lol Nol com o consentimento tácito dos EUA aquando de uma viagem do rei Sihanouk a Pequim e a Moscovo, em 1970. No mesmo ano de 70 o Camboja é bombardeado de forma absurda pelos USA isto porque o país viu-se sugado para um conflito que não o seu. As tropas de Vietnamitas do Sul passam a utilizar o Camboja para restabelecer forças e mantimentos.

Paralelamente a esses acontecimentos Pol Pot que estava a estudar em Paris já havia regressado ao Camboja onde ingressou no Partido Comunista. Com a chegada do jovem revolucionário o partido ganha um novo folgo e continua com a campanha contra novo governo de Lol Nol, arrastando o país para uma guerra civil.  Contudo, os episódios mais tristes e sangrentos da sua história estavam ainda para chegar.

De 1969 a 1973 os EUA bombardearam incessantemente os guerrilheiros comunistas do Camboja e do Vietname do Norte, que os apoiavam, mas sem resultados práticos e levando uma cada vez maior franja da população a apoiar os insurgentes do Khmer Vermelho. Em 1975 o exército do Khmer Vermelho, a comando de Pol Pot, chega a Odongk a norte de Phnom Penh derrubando Lon Nol de forma quase pacífica e renomeando o país como Kampuchea. Um dos maiores massacres da história da humanidade estava já em andamento, bem como o mais radical plano de completa transformação de uma sociedade, baseada no ínfame "Grande Salto para a Frente" de Mao, que o mundo já terá presenciado: estabeleceu-se um "ano zero", milhões de pessoas foram deslocadas dos centros urbanos para zonas rurais, as famílias foram separadas e seus membros forçados a trabalhar de sol a sol em arrozais colectivos. Mudou-se o nome do país para "Kampuchea Democrática" e começaram também as purgas, primeiro direccionadas aos próprios Vietnamitas - após várias tentativas falhadas de reconquistar território do sul do Vietname - que os ajudaram a chegar ao poder, depois à própria população Khmer das regiões orientais do país.

Perante o massacre da sua própria população, foi criada a Frente Unida de Salvação Nacional que conseguiu expulsar o Khmer Vermelho do poder após a invasão Vietnamita em finais de 1978. No entanto, de 1979 o que restou do Khmer Vermelho radicou-se na parte ocidental do país e embora já não tivessem de facto o poder, eram eles quem se sentavam na assembleia das Nações Unidas continuando a ser reconhecidos como os governantes oficiais do país por grande parte das nações mundiais, incluindo EUA, China, Inglaterra e França. De 1979 a 1989 o país passou a chamar-se República Popular da Kampuchea e numa tentativa de obter reconhecimento internacional o nome foi novamente alterado em 1989 para Estado do Camboja. Só em 1991, com a queda da União Soviética, foi reposto o Reino do Camboja e em 1993 o poder foi novamente entregue ao rei Sihanouk embora sob supervisão das Nações Unidas. Desde a queda do Khmer Vermelho até então, países como a Tailândia, China, Malásia e Singapura apoiaram apoiaram o guerrilheiros restantes do mesmo, tendo ocorrido várias deportações de refugiados do lado tailandês, ficando à mercê dos mesmos. Os EUA, por verem com maus olhos um Camboja dominado pela influência Vietnamita - e portanto Soviética - sabotaram activamente todo o processo de recuperação do país.

No decorrer do regime dos Khmer Vermelho, morreram entre 750 mil e 3 milhões de pessoas, sendo que na actualidade o número mais consensual se situa nos 2 milhões. Cerca de metade foram executados, os restantes morreram de fome e doença.
Embora estes afirmassem perseguir principalmente minorias étnicas (vietnamitas e chineses, principalmente), a maior parte dos mortos eram de facto khmers (cambodianos). Os intelectuais foram especialmente perseguidos, sendo o simples facto de usar óculos suficiente para uma condenação. Pol Pot viria a morrer em 1998, sem nunca ter cumprido qualquer pena (havia sido condenado à revelia à pena de morte) na mesma noite em que anunciada a sua entrega por parte do que restava do Khmer Vermelho aos tribunais, suspeitando-se que este se possa ter suicidado.


Hoje em dia Phnom Penh, outrora conhecida como "Pérola do Oriente", preserva de forma voluntária e explícita parte dos locais onde decorreram as perseguições, torturas e massacres deste passado recente.

Assim, dois dos "must-see" da cidade são a prisão de Tuol Sleng e os "Killing Fields" nos subúrbios da cidade. Este post centrar-se-á no primeiro, uma antiga escola secundária que foi renomada "S-21" ("S" de "Santebal", palavra Khmer para algo como "Organização da Segurança do Estado") e era apenas um dos 150 centros de detenção existentes no país no período mais negro da sua história. Tuol Sleng significa "Colina das Árvores Venenosas" ou simplesmente "Colina Estricnina". O seu director era Kang Kech Ieu (ou Kang Kek Iew) - ex-professor - conhecido como Duch. Este era também o responsável máximo pelos vários centros de detenção. Foi um dos poucos a ser julgados e a cumprir pena, tendo inicialmente sido condenado a 40 anos, que viriam a ser reduzidos para 35. Mais tarde viria a ver a sua pena alterada para prisão perpétua.

A maior parte dos seus "guardas" eram crianças deslocadas de zonas rurais, cuja alternativa ao cumprimento das ordens que lhes eram dadas era a sua própria morte.

Chegar ao Tuol Sleng é relativamente fácil pois toda gente sabe do que se trata. É possível caminhar até lá, nós optamos por apanhar um tuk-tuk (chamados remork no Camboja) até ao Russian Market que infelizmente se encontrava praticamente fechado por ser feriado e depois fizemos uma pequena parte do caminho para trás a pé. Paga-se um bilhete simbólico para entrar que inclui um pequeno folheto explicativo do museu. É possível alugar um audio-guide ou mesmo um guia dos vários que oferecem os seus serviços à entrada. No entanto o museu encontra-se bem sinalizado e as explicações são bastante explícitas.

As imagens que se seguem são pesadas, algumas demasiado penosas, mas é a forma que os Khmers encontraram de evitar que actos tão horrendos caiam no esquecimento:







Algumas das salas de tortura encontram-se praticamente como foram encontradas 




Celas minúsculas, sem quaisquer condições...
...a maior parte sem ver a luz do dia.




As últimas 14 vítimas do Khmer Vermelho, antes da sua fuga, foram simbolicamente sepultadas no seu jardim
Provavelmente o quadro mais chocante, retratanto os Killing Fields

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